Essa publicação está na edição do(s) dia(s): 12 de Janeiro de 2023.

Mensagem de Veto nº 002/2023

Mensagem de Veto nº 002/ 2023.

Senhora Presidente,

O Chefe do Poder Executivo Municipal, no exercício de sua competência legalmente prevista na Lei Orgânica Municipal, comunica Vossa Excelência que decidi Vetar Integralmente Autógrafo n° 114/2022, que “Autoriza o Chefe do Poder Executivo Municipal a conceder auxílio financeiro aos atletas amadores e profissionais que participarem de eventos e competições esportivas representando o Município de Juara - MT e dá outras providências”, aprovado por esse Poder Legislativo.

Isso porque, tal pretensão legislativa traz expressamente previsto que, in verbis:

“Art. 1º Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a prestar auxílio financeiro a atletas amadores, profissionais e equipes esportivas que fizerem parte em eventos de esportes, representando o Município de Juara – MT, a realizar-se em outros municípios, estados ou países, desde que sejam eventos oficiais promovidos por federações e ligas esportivas, ou outros órgãos públicos e privados organizadores de eventos desportivos.”.

Deste modo, inconcusso reconhecer que tal proposta legislativa está a instituir despesa para o Poder Público Municipal, cujo fato implica o reconhecimento de sua inconstitucionalidade formal e desrespeito as disposições do Art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, conforme se verá adiante.

DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL:

O Art. 195, Parágrafo Único, inciso I, da Constituição do Estado de Mato Grosso, prevê que compete privativamente ao Prefeito a iniciativa de matéria orçamentária e tributária de âmbito municipal, in verbis:

“Art. 195. O Prefeito poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa.

Parágrafo único. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:

(...)

I - matéria orçamentária e tributária”.

Nessa disposição está inclusa a competência reservada do Poder Executivo, bem como a usurpação da competência pelo Legislativo Municipal, prevista no Art. 195 da Constituição do Estado de Mato Grosso, conforme orienta a jurisprudência.

Senão veja-se:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MUNICÍPIO DE ALTA FLORESTA - “LEI AUTORIZATIVA” - DISPOSITIVO DE LEI QUE AUTORIZA O PREFEITO MUNICIPAL A CONCEDER ISENÇÃO FISCAL - BENESSE FISCAL INSTITUÍDA POR INICIATIVA PARLAMENTAR - MATÉRIA DE IMPACTO NA LEI ORÇAMENTÁRIA - ARTIGOS 1º, 3º, 4º E 5º DA LEI MUNICIPAL Nº 1.593/2008 - VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA DE RESERVA DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL PARA LEGISLAR SOBRE O ORÇAMENTO DO MUNICÍPIO - PRECEDENTES DO STF. O fato de ser autorizativo o dispositivo de lei impugnado não modifica o juízo de sua validade ou invalidade por eventual vício de inconstitucionalidade. Precedentes do STF nas Representações 686/GB e 993-9/RJ. A competência para legislar sobre matéria tributária e financeira é concorrente, também no âmbito municipal, mas para a matéria orçamentária há competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo do Município, nos termos do art. 195, parágrafo único, inc. I, 1ª parte, da Constituição Estadual e art. 165 da CF/88. Ação Direta de Inconstitucionalidade procedente”. (N.U 0006680-43.2008.8.11.0000, JOSÉ TADEU CURY, ÓRGÃO ESPECIAL, Julgado em 22/01/2009, Publicado no DJE 18/02/2009) (gn)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 4º, 6º, 7º, 8º, PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 11, 12, 16, §1º E 2º, 17, 18, 19, 20 E 24, TODOS DA LEI MUNICIPAL Nº 2.911-2019, ALTERADA PELA LEI MUNICIPAL Nº 2.960-2019, DE LUCAS DO RIO VERDE/MT – NORMA ORIGINÁRIA DO PODER LEGISLATIVO – CRIAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES E FUNÇÕES AOS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – PRETEXTO DE INCONSTITUCIONALIDADE – MATÉRIA RESERVADA À INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO – VIOLAÇÃO AO ART. 195 , PARÁGRAFO ÚNICO , INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA – PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO E INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – LIMINAR CONCEDIDA. Segundo o princípio da simetria, as regras do processo legislativo federal se aplicam ao processo legislativo estadual e municipal, de tal forma que a Constituição Estadual e as leis municipais sejam simétricas à Constituição Federal. Logo, se o legislativo apresenta projeto de lei cuja iniciativa cabia ao chefe do poder executivo municipal, ou seja, ao Prefeito, está patente o vício de iniciativa, que consubstancia inconstitucionalidade formal subjetiva”. (N.U 1017149-48.2019.8.11.0000, ÓRGÃO ESPECIAL CÍVEL, RUI RAMOS RIBEIRO, Órgão Especial, Julgado em 13/02/2020, Publicado no DJE 19/02/2020) (gn)

Portanto, existem múltiplas teses de inconstitucionalidade que podem conduzir ao reconhecimento da total incompatibilidade do ato normativo impugnadocom a Constituição Federal.

DA VIOLAÇÃO AO ART. 113 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS - ADCT. AUSÊNCIA DE ESTIMATIVA DO IMPACTO ORÇAMENTÁRIO E FINANCEIRO DA PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL:

O Art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, em redação atribuída pela Emenda Constitucional nº 95/2016, prevê, in verbis:

“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”. (gn)

Conforme se pode depreender do processo legislativo que resultou na aprovação do Autógrafo nº114/2022, não houve estudo de estimativa do impacto orçamentário e financeiro, do que decorre, por vício formal, a absoluta inconstitucionalidade da norma impugnada.

Portanto,a par dos problemas de eficácia, toda a tramitação legislativa em comento é deficiente sob o ângulo de sua legitimidade constitucional.

Por amor aos debates, saliento que ainda que tente justificar que no mencionado Autógrafo não se encontra compreendida nenhuma situação de obrigatoriedade, sem dúvidas nenhuma, faz-se presente a criação de um programa.

Porém, como se sabe, a instituição de programas de governo é atribuição do Chefe do Executivo. O estabelecimento de ações governamentais deve ser realizado pelo Poder Executivo, pois a implantação e execução de programas na Municipalidade, constitui atividade puramente administrativa e típica de gestão; logo, inerente à chefia do Poder Executivo.

Assim, cabe exclusivamente ao Chefe do Executivo, no desenvolvimento de seu programa de governo, eleger prioridades e decidir se executará esta ou aquela ação governamental, seja aqui ou acolá, seja dessa forma ou de outra, seja por um breve período ou por um prazo mais longo, definindo, dentre outros pontos, as metas a serem cumpridas e a clientela a ser atendida.

Como gestor do Município, é reservada ao Prefeito a incumbência da condução das políticas públicas, e neste sentido há que se ressaltar a distinção cristalina entre as funções da Câmara e do Prefeito, marcada por Hely Lopes Meirelles:

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos, autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração” (In: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 575-576).

Assim, tem-se que os atos de mera gestão da coisa pública sujeitam-se única e exclusivamente ao julgamento administrativo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo, cuja prática não se sujeita à oitiva, autorização ou controle prévio do Legislativo, Tribunal de Contas ou qualquer outro órgão de controle externo. Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei n°2.974/11.02.2010, do Município de Carapicuíba, de iniciativa parlamentar e promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal após ser derrubado o veto do alcaide, que dispõe ‘sobre a utilização de materiais de expedientes confeccionados em papel reciclado pela Administração Pública Municipal, conforme especifica’ - somente o Prefeito, a quem compete a exclusiva tarefa de planejar, organizar e dirigir os serviços e obras da municipalidade, que abrangem também as compras a serem feitas para o Município, pode propor lei prevendo a utilização de papel reciclado para prover a confecção dos impressos da administração pública violação aos artigos 5º, 25, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Estadual -ação procedente”. (TJ-SP. Órgão Esp. ADIN nº 0073579-35.2010.8.26.0000. Julg. Em 03/11/2010. Rela. Desa. PALMA BISSON).

A matéria também se insere no rol do que se convencionou chamar de “Reserva da Administração”. Sobre o princípio constitucional da reserva de administração é pertinente a citação de trecho do seguinte acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (...) Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultravires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais”. (STF - Tribunal Pleno. ADI-MC nº 2.364/AL. DJ de 14/12/2001, p. 23. Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Portanto, a instituição de programas de governo compete ao Chefe do Executivo que sequer necessita da edição de uma lei para tanto e por tal motivo o Autógrafo submetido à análise carece de viabilidade jurídica, não merecendo prosperar.

Essas, Senhora Presidente, são as razões que levaram a vetar o Autógrafo nº 114/2022, as quais são submetidas à apreciação dos membros dessa casa de Lei.

Juara/MT, 11 de janeiro de 2023.

Carlos Amadeu Sirena

Prefeito Municipal