Essa publicação está na edição do(s) dia(s): 25 de Abril de 2024.

Mensagem de Veto nº 007/2024

Mensagem de Veto nº 007/ 2024.

Senhora Presidente,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 30 da Lei Orgânica Municipal, veto integralmente ao Autógrafo nº 040/2024, que “Estabelece os subsídios dos Secretários do município de Juara-MT para o período 2025 a 2028, e dá outras providências”, aprovado por esse Poder Legislativo.

Com efeito, pela dicção do indigitado Art. 37, caput, da Carta Republicana de 1988, a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de outros preceitos previstos em seus incisos.

Weida Zancaner, Professora de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Assessora Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (in artigo Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do estado social e democrático de direito. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, ano I, n. 9, dezembro, 2001), aludindo à importância da “razoabilidade” como limite ao exercício legítimo da atividade legislativa, transcreve abalizada lição de CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO, a saber:

“A moderna teoria constitucional tende a exigir que as diferenciações normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto, há de existir uma indispensável relação de congruência entre a classificação em si e o fim a que ela se destina. Se tal relação de identidade entre meio e fim – ‘meansend relationship’, segundo a nomenclatura norte-americana - da norma classificatória não se fizer presente, de modo que a distinção jurídica resulte leviana e injustificada, padecerá ela do vício da arbitrariedade, consistente na falta de ‘razoabilidade’ e de ‘racionalidade’, vez que nem mesmo ao legislador legítimo, como mandatário da soberania popular, é dado discriminar injustificadamente entre pessoas, bens e interesses na sociedade política”.

Sendo assim, age de forma ‘arbitrária, implausível ou caprichosa’ o legislador local ao conceder aos agentes políticos do Município (Prefeito e Vice-Prefeito) ganho real remuneratório significativamente superior ao que o Poder Executivo poderia - sem prejuízo de suas ações governamentais - repassar ao funcionalismo.

São, portanto, desarrazoadas e, consequentemente inconstitucionais e contrárias ao interesse público, as normas que privilegiam um determinado segmento funcional com importantes ganhos salariais (notadamente os mais aquinhoados em termos remuneratórios), em detrimento da massa de servidores da municipalidade que, mercê da crônica escassez de recursos públicos, amarga paulatina redução do seu poder aquisitivo.

Há de se consignar que tais projetos infringem, igualmente, o princípio da moralidade administrativa, previsto no supratranscrito Art. 37, caput, da Constituição Federal, cuja inobservância, pela Câmara Municipal, os inquinam de vício de inconstitucionalidade material.

No dizer de José Afonso da Silva (in Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 652):

“à moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir de regras e princípios da Administração. A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, por exemplo, com o intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa”.

Aliás, outra não é a lição da Profa. Maria Sylvia Zanella di Pietro (in: Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990, p. 102), verbis:

“O princípio da moralidade tem utilidade na medida em que diz respeito aos próprios meios de ação escolhidos pela Administração Pública. Muito mais do que em qualquer outro elemento do ato administrativo, a moral é identificável no seu objeto ou conteúdo, ou seja, no efeito jurídico imediato que o ato produz e que, na realidade, expressa o meio de atuação pelo qual opta a Administração para atingir cada uma de suas finalidades. Não é por outra razão que, tanto no direito privado como no direito público, é frequente mencionar-se moralidade como requisito essencial à validade do objeto. No âmbito do direito civil, Clóvis Bevilácqua ensinava que ‘a declaração de vontade deve ser conforme aos fins éticos do direito, que não pode dar apoio a intuitos imorais, cercar de garantias combinações contrárias aos seus preceitos fundamentais’. Consequentemente, se o objeto do ato for ofensivo à moral ou às leis de ordem pública, o direito não lhe reconhece validade. Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir, entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. [...]”.

Inspirado no sentido e alcance dos fundamentos que alicerçam o princípio da moralidade administrativa, infere-se que o legislador deve pautar sua atividade legislativa por parâmetros de razoabilidade que assegurem equilíbrio e prudência, requisitos estes essenciais à validade da norma jurídica.

Como dito alhures, a injusta discriminação entre a categoria dos servidores municipais e os detentores do poder (elevação dos subsídios destes de forma desarrazoada, ou seja, impossível de ser repassada à remuneração daqueles), além de contrariar o interesse público, é inconstitucional, porquanto atentatória ao princípio da moralidade administrativa. “A moralidade administrativa constitui, hoje em dia, - anota o saudoso publicista Hely Lopes Meirelles- pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Não se trata - diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como ‘o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração. Desenvolvendo sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto”.

E prossegue o preclaro jurisconsulto aduzindo:

“Por considerações de Direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: ‘non omne quod licet honestum est’. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum”. (in: Direito Administrativo Brasileiro. 17a ed. São Paulo: Malheiros. 1992, p. 83/84)

Discorrendo sobre a importância dos princípios no ordenamento jurídico, tanto em âmbito administrativo, legislativo ou jurisdicional, o mestre Geraldo Ataliba (in: República e Constituição. Editora: Revista dos Tribunais. 1985, p. 6), preleciona:

“Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema. Apontam os rumos a serem seguidos por toda sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até às últimas consequências”.

Daí a manifesta incompatibilidade vertical do presente projeto de lei com os princípios constitucionais invocados, consubstanciada na elevação abusiva dos subsídios de autoridades públicas municipais em detrimento das lídimas necessidades e aspirações do funcionalismo local e, sobretudo, do conjunto da população juarense.

Estas, Senhora Presidente, as razões que me levaram a vetar in totum o projeto de lei em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros da Câmara Municipal.

Juara/MT, 24 de abril de 2024.

Carlos Amadeu Sirena

Prefeito Municipal