Essa publicação está na edição do(s) dia(s): 26 de Novembro de 2015.

​PARECER JURÍDICO

ASSUNTO: RECURSO ADMINSTRATIVO ACPI – ASSESSORIA, CONSULTORIA, PLANEJAMENTO E INFORMATICA LTDA- CONTRATO Nº. 002/2014.

REQUERIMENTO: GABINETE DO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL

Relatório:

Trata-se de parecer jurídico solicitado pelo Gabinete do Presidente da Câmara Municipal de Água Boa, sobre o RECURSO ADMINISTRATIVO interposto contra decisão de RESCISÃO CONTRATUAL UNILATERAL da empresa ACPI – ASSESSORIA, CONSULTORIA, PLANEJAMENTO E INFORMATICA LTDA.

A Câmara Municipal de Água Boa vem notificando rotineiramente a recorrente para que fornecesse as senhas para o bom o funcionamento do Betha Contabilidade, Betha Folha, Betha Patrimônio, Betha Estoque, mas a recorrente deixou de fornecer as senhas por diversas vezes, o que vem causando prejuízos inestimáveis ao Órgão.

Sendo assim, ante o inadimplemento contratual habitual por parte da ora recorrente, o Câmara optou por rescindir unilateralmente o contrato, com fundamento no Art. 78, inciso I e 79, Inciso I da Lei 8.666/93, tendo em vista o não cumprimento de cláusulas contratuais.

Do Recurso e das Alegações

Inconformada a empresa ACPI – ASSESSORIA, CONSULTORIA, PLANEJAMENTO E INFORMATICA LTDA, apresentou recurso administrativo em alegando que:

1 – O contrato de comercialização entre a ACPI e a Betha garante à ACPI a exclusividade de atuação nos municípios em que mantém contratos de sistemas. Deste modo, por direito contratual, não pode a Betha Sistemas ou qualquer outra empresa representante desta, assediar ou aliciar os clientes que já mantém contrato com a ACPI. Inclusive tem decisão judicial determinando o não assédio e o não aliciamento dos clientes da ACPI (autos n. 32553-72.2015.811.0041). Portanto, a Betha Sistemas e/ou qualquer representante desta, tem impedimento legal de negociar diretamente com clientes ACPI;

2 – Todas as decisões judiciais querem seja do Poder Judiciário de Mato Grosso, quer as do Estado de Santa Catarina, são para o fornecimento das senhas por parte da Betha, de forma ininterrupta até 12/08/2016. Deste modo, a Betha Sistemas reiteradamente não está cumprindo as ordens judiciais;

3 - Nesse contexto, percebe-se que a Betha Sistema está forçosamente induzindo os clientes a notificar a ACPI e posteriormente rescindir unilateralmente os contratos, fabricando assim, situação de emergência. É perceptível que a Betha usou sua única ferramenta nessa batalha, qual seja, as senhas.

4 – A Decisão do Agravo de Instrumento n. 2015.049594-4 de Criciúma/SC é enfática em dizer que em nenhuma hipótese a rescisão do contrato irá autorizar que a Betha assuma a posição de prestadora de serviço público nos contratos administrativos celebrados entre a ACPI e os órgãos da Administração Pública do Estado de Mato Grosso. Deste modo, a contratação por meio de Dispensa Emergencial tornou-se mais ilegal ainda;

5– O Parecer Jurídico n. 129/2015 da AMM arrazoa que não há motivo que justifique o rompimento de um contrato celebrado por meio de licitação para contratar empresa na modalidade “Dispensa de Licitação” aduzindo a urgência do caso, e ainda;

6 – Tal Parecer Jurídico, ressalva que todas as empresas que trabalham com locação do sistema de contabilidade pública vem tendo problemas no envio das cargas do APLIC desde o início do ano de 2015, em virtude das disposições do PCASC e dos Layouts do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso;

7 – O Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina nos autos n. 0307079-29.2015.8.24.0020 proferiu decisão quanto à continuidade imediata ao cumprimento do contrato de comercialização de licença de uso dos aplicativos Betha;

8 – A decisão emanada em 21/08/2015 pelo MM Juiz da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública do Estado de Mato Grosso determina que a Betha Sistemas forneça as senhas no prazo de 04 (quatro) horas, sob pena de multa diária no valor de 50.000,00 (cinquenta mil reais) emitindo todas as senhas para todos os clientes da ACPI;

9 - E ainda, houve o descumprimento da medida judicial onde o Sr. Oficial de Justiça procedeu a condução do representante legal da Betha à DEPOL para lavratura de Termo Circunstanciado por crime de desobediência por não cumprimento de ordem judicial.

10 – Não houve qualquer decisão contrária às ordens judiciais já emanadas, portanto, não há razão da Betha Sistemas Ltda. continuar suspendendo e/ou cancelando o fornecimento das senhas. O ato de interrupção dos acessos é o modo de impelir, conduzir e forçar os clientes da ACPI a nos notificar realizando posteriormente a rescisão unilateral do contrato de locação de sistemas. Aqui percebe-se, a fabricação da situação de emergência, induzindo o cliente a uma circunstância equivocada, levando à realização de Dispensa Emergencial. Nesse contexto, a Betha Sistemas objetiva apenas a tomada de clientes. Pois, se a Betha Sistemas não tivesse interrompido o fornecimento das senhas, não haveria a caracterização da situação emergencial.

11 – Decisões judiciais não vencem, não perdem efeito, não caem em desuso, e devem, sim, serem cumpridas. E não é o que está ocorrendo. A Betha Sistemas reluta em não cumprir as ordens judiciais expedidas, mesmo após a majoração da multa e o estabelecimento da possibilidade de prisão. E é isto que está causando prejuízos aos senhores Clientes.

12 - A ACPI não medirá esforços para cumprir e fazer cumprir com as suas obrigações na prestação dos serviços contratados aos seus Clientes. Por esta razão, a ACPI já informou o MM. Juízo quanto ao reiterado descumprimento do fornecimento das senhas por parte da Betha Sistemas, para que se faça cumprir a decisão judicial e sejam fornecidas as senhas de uso dos sistemas em ciclos de 30 dias e sejam corrigidas, de forma cabal, as rotinas de geração das tabelas do Aplic, uma vez que, por isso, os sistemas não estão funcionando adequadamente.

13 - Convém esclarecermos que inexistem os débitos tão alardeados pela Betha Sistemas, como justificativa ao não fornecimento das senhas. Prova disso é que o descredenciamento da ACPI por parte da Betha foi imotivado e a ação de cobrança que a Betha impetrou no Judiciário de Santa Catarina não gerou liminar/decisão judicial, e ainda, o processo foi transferido para o Judiciário de Mato Grosso, foro este competente para dirimir a questão, uma vez que os clientes ACPI são órgãos da Administração Pública pertencentes ao Estado de Mato Grosso.

Ao final, requereu o recebimento e o conhecimento do RECURSO ADMINISTRATIVO, para dar provimento às razões acima expendidas para RECONSIDERAR A DECISÃO DE RESCISÃO DO CONTRATO N. 002/2014, anulando assim o ato emanado pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal.

O recurso foi protocolado via e mail tempestivamente, sendo assim deve ser recebido.

Do mérito

Preliminarmente, tem-se por ato jurídico administrativo toda e qualquer declaração emanada de autoridade administrativa competente no exercício de sua função, sob o regime de direito público, com o fim de resguardar, adquirir, transferir, modificar ou extinguir direitos.

O ato administrativo, independente do fim que colima, é ato unilateral e vinculado, que precisa, para ter a devida eficácia, emanar de autoridade à quem a lei atribui competência para tanto, ter finalidade que atenda ao interesse público, possuir forma escrita para qual deve ser dada a devida publicidade, conter os motivos que levaram à sua criação e por fim, um objeto, o qual deve ser lícito e que constitui o efeito jurídico imediato que se pretende com o ato.

Diferentemente do conceito utilizado no Direito Civil, no Direito Administrativo, é o contrato conceituado como uma imposição unilateral de vontade, onde a administração, geralmente após um procedimento licitatório impõe as cláusulas por ela definidas e em caráter de imutabilidade, para que o contratante faça sua adesão.

Está o contrato administrativo, sujeito à incidência de cláusulas exorbitantes, às quais conferem à Administração Pública uma superioridade sobre o particular; à imposição de sanções, à fiscalização diária, dependendo do tipo do objeto do contrato; e por fim, à rescisão unilateral.

A rescisão unilateral vai ocorrer quando a administração pública por motivo de ilegalidade, inadimplemento contratual por parte do contratado ou, em razão de interesse público, decidir por fim ao contrato entabulado, antes que seu prazo de vigência tenha extrapolado; sendo que, em qualquer dos três casos, necessária se faz a devida justificação da conveniência e oportunidade, para que se atenda ao princípio da transparência dos atos administrativos e se possa aferir da legalidade do ato.

Como todo ato administrativo, a rescisão também deverá trazer em seu bojo os pressupostos de fato e de direito, bem como a relação lógica entre eles, que levou o ente público a praticar o ato em questão.

A ideia inicial que deve estar incutida na mente dos contratantes é corolário do brocardo romano pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes, colocando-se como regra geral a noção de que os contratos devem lograr ser cumpridos da maneira como foram avençados. As obrigações dele resultantes engendram no mundo fático para ter vida um tanto quanto efêmera, transitória. Conquanto sejam cumpridas, exaurem sua finalidade no campo social.

Ocorre que não se obsta a que, no iter de existência do contrato, surjam controvérsias ou acontecimentos passíveis de influenciar o perfeito cumprimento do contrato. Uma obrigação que não seja cumprida, ou não o seja de forma satisfatória, ou ainda o atraso em seu cumprimento, prostra-se como célula doente no organismo social, de forma tal a acarretar latente perigo de contaminação ao organismo como um todo. Na lição de Orlando Gomes,

“O inadimplemento da obrigação principal constitui vicissitude mais comum da relação obrigacional, devendo-se entender como tal a não-realização da prestação liberatória, sem que o direito do credor se tenha satisfeito por outra via ou cumprido o dever de prestar a cargo do obrigado”. (GOMES, 2007, p. 204)

Cada uma das partes deve intentar, em conformidade com o estipulado, cumprir suas prestações na forma, tempo e lugar previstos, nos moldes a preservar a estruturação material criada. Há a aplicação do dies interpellat pro homine, tornando-se prescindível um ato formal destinado a constituir em mora o devedor inadimplente.

A inexecução contratual autoriza responsabilização nos âmbitos penal, civil e administrativo dos sujeitos responsáveis, ensejando igualmente as consequências discriminadas na lei, no ato convocatório e no âmbito do próprio contrato. Quaisquer das partes que vierem a descumprir cláusula contratual incorrem nas penalidades cominadas no próprio corpo do contrato, bem como naquelas previstas em lei, com especial enfoque ao disposto no art. 389 do Código Civil. Esta disciplina, na lição de José dos Santos Carvalho filho,

“alcança todos os contratos, inclusive os contratos administrativos, eis que inexiste previsão a respeito de qualquer prerrogativa especial relativa aos efeitos da inadimplência contratual. Por outro lado, não se pode considerar o Estado devedor privilegiado sem que haja expressa disposição legal. Se for inadimplente, deve arcar com todos os ônus decorrentes do seu inadimplemento.” (CARVALHO FILHO, 2008, p. 190)

No seio do Direito Administrativo, de forma mais severa do que averbado no âmbito privativista, a inexecução dos contratos, quer em sua integralidade, quer parcialmente, propicia sua rescisão, assimilando-se a inexecução parcial à total a fim de que sejam observadas as implicações jurídicas decorrentes da inexecução, uma vez que se prima pelo interesse público, consoante o percuciente ensinamento de Marçal Justen Filho (1998, p. 540),“a indisponibilidade do interesse público não se compadece com a incerteza ou insegurança do cumprimento das prestações impostas ao particular.”

No caso em tela, o contrato foi extinto por inadimplemento do contratado, uma vez que ocorreu o descumprimento das cláusulas contratuais, ante o não fornecimento de senhas para o bom o funcionamento do Betha Contabilidade, Betha Folha, Betha Patrimônio, Betha Estoque.

Ademais, nem mesmo os funcionários da recorrente sabem informar com precisão quando serão liberadas as senhas.

Inobstante o inadimplemento ter se dado aparentemente sem culpa ou dolo por parte do recorrente, o fato do não fornecimento das senhas e as consequências decorrentes desse descumprimento contratual, são motivos suficientes para a rescisão unilateral, bem como para a aplicação das penalidades previstas na legislação e no próprio contrato.

Todavia, tendo em vista que em uma análise perfunctória dos fatos não observei a existência de dolo ou culpa da recorrente, e, portanto, recomendo a não aplicação das penalidades.

Conclusão:

Considerando o exposto, a legislação aplicável, e, por apresentar o documento às condições mínimas para ser admitido, OPINO:

Pelo conhecimento do Recurso interposto pela recorrente ACPI – ASSESSORIA, CONSULTORIA, PLANEJAMENTO E INFORMATICA LTDA para no mérito negar-lhe provimento total, mantendo a decisão exarada, e por consequência lógica a rescisão unilateral do contrato, sem aplicação de penalidade.

Encaminhar os autos, com as informações pertinentes à autoridade superior para que sofra o duplo grau de julgamento, com o seu “De Acordo”, ou querendo, formular opinião própria;

Dê-se ciência da decisão à Recorrente e demais interessadas.

Salvo melhor juízo. É o parecer.

Agua Boa - MT, 23 de novembro de 2015.

Karulliny Neves da Silva

Assessora Jurídica

OAB/MT 19.075